Time ABAG, dezembro de 2021
Quando ocorrem acidentes que envolvem celebridades, como foi a terrível tragédia que levou a cantora Marília Mendonça recentemente, a segurança da aviação de negócios é colocada em xeque. A imprensa muitas vezes tem dificuldades para explicar ao público como funcionam os principais conceitos desta modalidade de aviação, e a sociedade acaba mal informada sobre a segurança dos aviões de pequeno porte. Por isso, a ABAG, representante da aviação de negócios em nosso país, vem a público esclarecer os principais aspectos de segurança deste segmento.
A melhor maneira de defini-la é por exclusão: à exceção da aviação militar (aeronaves operadas pela FAB, pelo Exército e pela Marinha), dos grandes aviões de linha aérea, e das aeronaves aerodesportivas (asas delta, trikes, parapentes, girocópteros, ultraleves, etc.), todos os aviões e helicópteros registrados em nosso país compõem a frota de aviação de negócios – além dos 88.664 drones de uso profissional e a futura classe dos e-VTOL (aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical), que também fazem ou farão parte do segmento, porém não serão abordados neste artigo.
Em outubro de 2021, de acordo com dados do RAB – Registro Aeronáutico Brasileiro da ANAC, tínhamos no Brasil 9.214 aeronaves certificadas operacionais na aviação de negócios, ao passo que a aviação comercial tinha somente 478 aviões. Ou seja: mais de 95% das aeronaves certificadas do Brasil são da aviação de negócios. A maior parte da frota do segmento é composta pelos aviões com propulsão a hélice, sendo que 63% se referem àqueles com motor a combustão e 15% são os com motor turboélice. Os helicópteros correspondem a 14% e os jatos a 8%.
A aviação privada, cujo operador é uma pessoa física ou uma entidade não relacionada à aviação (bancos, indústrias, empreendimentos agrícolas, etc.), é a maior do país, com 69% de todos os aviões e helicópteros da aviação de negócios. O táxi aéreo responde por 6,7% da frota nacional, enquanto a administração pública (aeronaves não-militares) possui 2,8% das unidades. A fatia da instrução é de 8,5% do total e os demais serviços aéreos especializados, especialmente a aviação agrícola, tem os 13% restantes.
De acordo com as regras da ANAC, que por sua vez seguem recomendações da OACI – Organização de Aviação Civil Internacional, órgão vinculado à ONU que rege a aviação civil em todo o mundo, o transporte aéreo público deve possuir uma estrutura regulatória mais robusta do que a aviação privada, devido ao conceito de “assimetria de informações”, presente nas operações de linha aérea e de táxi aéreo.
Quando um passageiro adquire uma passagem aérea ou freta uma aeronave, entende-se que este consumidor desconhece as particularidades da operação conduzida pela empresa que lhe está prestando o serviço aéreo. Não há como saber, por exemplo, como é realizada a manutenção da aeronave, a qualificação e treinamento dos tripulantes ou o planejamento do voo; portanto, há uma elevada assimetria de informações entre a empresa aérea e o passageiro.
Já na aviação privada, em que somente o proprietário ou operador da aeronave tem o direito de usufruir, o cenário é o oposto: é este quem contrata e paga os serviços de manutenção da aeronave, os tripulantes e respectivos treinamentos, e assim por diante. Por isso, diz-se que nesta modalidade de transporte aéreo há uma menor assimetria de informações entre o passageiro e o proprietário ou operador – que, na verdade, é ele mesmo. Você sabe das condições de seu carro, mas e do táxi que você chama na rua, sabe também? É semelhante.
Toda a regulamentação é baseada neste conceito, e é por esta razão que o transporte aéreo público possui regras adicionais de segurança em relação à aviação privada: o “sistema” – isto é: os regulamentos e a fiscalização da operação – supre a maior assimetria de informações da linha aérea e do táxi aéreo. Outra diferença é o tamanho da aeronave: se o transporte público for realizado por aviões com 20 assentos para passageiros ou mais, requer-se regras ainda mais rígidas, pois o risco à sociedade é muito maior. Portanto, a regulamentação da aviação privada possui somente as regras operacionais básicas; o transporte aéreo público realizado pelo táxi aéreo, com aeronaves com menos de 20 assentos, segue regras mais rígidas; e a modalidade de linha aérea de grande porte (os Boeing, Airbus, etc., presentes nos grandes aeroportos), regras mais rigorosas ainda: isso ocorre devido à elevada assimetria de informações combinada com o risco maior à sociedade nesta última modalidade de operações.
Uma das diferenças mais importantes entre a linha aérea e a aviação de negócios é a conectividade. Enquanto a primeira atende a pouco mais de 100 aeroportos previamente aprovados pela ANAC, a aviação de negócios opera em todos os três mil aeródromos do país – inclusive nos que a linha aérea utiliza, mas não só. Parte destes aeródromos de pequeno porte não são asfaltados ou não possuem auxílios à navegação, o que torna a operação mais desafiadora para os pilotos. Porém, se não se permitisse operar nestas localidades, a conectividade aérea de nosso país ficaria extremamente limitada, o que faz com que as autoridades da aviação civil permitam que aeronaves não pertencentes à linha aérea possam pousar e decolar nestas pistas.
Outra diferença importante é que os pilotos que atuam na linha aérea operam sempre nas mesmas rotas, como se fosse um trem, que só se desloca entre determinadas estações sempre pelos mesmos trilhos. Isso torna a operação de linha aérea uma rotina, uma repetição de decolagens e pousos sempre nas mesmas localidades, após percorrerem a mesma rota com os mesmos aviões. Já a aviação de negócios é semelhante a um táxi terrestre ou a um carro de aplicativo, em que cada corrida é diferente da outra. Isto, é claro, também torna as operações mais desafiadoras neste segmento.
A linha aérea brasileira está completando 10 anos sem registrar um único acidente fatal, o que é digno de nota: nunca antes isto ocorreu na aviação brasileira! Já os números da aviação de negócios, embora decrescentes desde 1979, situam-se em torno de 33 fatalidades por ano (dados dos últimos três anos). Mas a primeira impressão de que a aviação de negócios seria menos segura é falaciosa, engana-se quem não analisa a segurança da aviação de maneira profissional. No último acidente de grande porte da aviação comercial, ocorrido com a TAM, houve 199 vítimas, ou seja: mais do que seis anos inteiros de acidentes da aviação de negócios. Somando a este as vítimas do acidente da Gol de um ano antes, esta equivalência chegaria a 11 anos. Na verdade, um único acidente, o choque de dois Boeing 747 na ilha de Tenerife (o maior do mundo até hoje), resultou num saldo de 583 vítimas. A aviação de negócios brasileira precisaria de 18 anos para chegar a este número.
Por outro lado, os índices de acidentes por horas de voo, normalmente os que são divulgados à imprensa pelas empresas aéreas de grande porte, são bem mais favoráveis à linha aérea. Mas mesmo os índices da aviação de negócios do Brasil são extremamente baixos: uma aeronave de táxi aéreo, por exemplo, precisa de voar 22,5 milhões de quilômetros (390 viagens à lua) para sofrer um acidente – lembrando que, na aviação de pequeno porte, somente 1/3 dos acidentes são fatais. Em termos absolutos, este número é excelente, mas quando comparado à linha aérea ele parece ruim, pois neste segmento são necessários 512 milhões de quilômetros, em média, para ocorrer um acidente. Seria como efetuar 8 viagens a Marte sem nenhuma ocorrência… Talvez nem os programas da NASA tenham tal índice!
A segurança da aviação de negócios do Brasil, quando realizada de maneira lícita, possui ótimos indicadores, tão bons ou até melhores do que nos países mais avançado do mundo. E sem ela, não teríamos o transporte aeromédico, a aviação agrícola, não haveria como formar nossos próprios pilotos, não seria possível levar assistência médica a comunidades isoladas, e, principalmente, não teríamos a já citada conectividade aérea, tão importante para o desenvolvimento do Brasil. O que lamentavelmente ocorre é que operações de táxi aéreo pirata, aeronaves voando com manutenção realizada em oficinas clandestinas ou utilizadas para o contrabando e o tráfico de drogas e outras ilicitudes semelhantes, possuem riscos significativamente maiores, e isto acaba gerando um impacto negativo para o segmento.
Tome-se como exemplo o triste acidente que vitimou o jornalista Ricardo Boechat. As investigações oficiais confirmaram tratar-se de uma operação de táxi aéreo pirata, em uma aeronave operada fora das normas de segurança. Mas a imagem que fica para o público é que uma pessoa famosa faleceu por estar voando em uma aeronave de pequeno porte: a maior parte do público desconhece os detalhes da operação que contribuíram decisivamente para os fatos. Quando, na verdade, tratou-se de várias violações inaceitáveis aos regulamentos, somadas a ações dolosas para ludibriar a fiscalização.
Assim como em outros países de dimensões continentais, como Estados Unidos, Canadá e Austrália, o Brasil não pode prescindir da aviação de negócios. Sem ela, a formação aeronáutica ficaria prejudicada, e nós teríamos que trazer tripulantes estrangeiros para operar nossos aviões de linha aérea e de diversos segmentos específicos, como a aviação off-shore (ligação continente – plataformas de petróleo por helicópteros), como faz a China. A conectividade aérea, repisamos mais uma vez (mas nunca é demais repetir), ficaria muito prejudicada. Por isso, precisamos desmontar a falácia de que não seria suficientemente seguro viajar em aeronaves de pequeno porte. Isto faz mal para toda a aviação, prejudica o Brasil, e incute medo absolutamente desnecessário na população que utiliza esses meios de transporte. O que precisamos é de voar cada vez mais pelo Brasil: esta é a principal missão da ABAG!
# VOAMOS PELO BRASIL